O Pedro fontela numa tentativa de situar o conservadorismo português moderno apresenta vários nomes, que segundo ele “são os seus ídolos e figuras de destaque intelectual e de acção política”. A lista não é precisa, não afina pelo rigor, não prima pela disciplina, compreende-se, Pedro muito provavelmente não gosta de conservadores. Não o censuro. Na lista estão os nomes de Hegel e Maistre. Escusam de arrancar cabelos. O perfil das criaturas segue dentro de momentos.
Vamos por etapas. Pedro Fontela procura um conteúdo que preencha o recipiente conservador. Mas para começar o conservadorismo é intemporal, nao-ideologico – e incurável mesmo com o internamento imediato em Caxias ou Tires – o mesmo pode ser dito a respeito de reaccionários e revolucionários. Há socialistas reaccionários, revolucionários liberais e liberais conservadores. Importa compará-los, mais importante, importa situá-los. O conservador vive no único dos tempos que nos é dado a viver, em vez de cobiçar por um passado irrecuperável – como o reaccionário – ou aspirar a um futuro insondável – como o revolucionário.
Hegel
Há pontos de encontro entre Hegel e os conservadores de todas épocas e todas as ideologias. Procurou conservar uma época em formol. Um formol nacionalista, totalitário, historicista. Foi um reaccionário. Foi certamente uma reacção algo enigmática, enviesada, interesseira ao iluminismo nacionalista que paulatinamente cavava a sepultura de uma era abrindo caminho a novos tempos. Um nacionalismo que à falta de referencias agarrou-se à liberdade e democracia que transpirava muito nas ideias e pouco nos hábitos do continente. Hegel subverteu o nacionalismo germânico. Desiluminizou-o. Foi um mercenário. Enquanto para Platão o estado estava ao serviço da filosofia, para Hegel era a filosofia que estava ao serviço do estado. O estado era o estado Prusso. Propriedade privada de um monarca. Foi um impostor, nas palavras de Schopenhauer, conservador com muito de reaccionário, “Hegel – diz ele – imposto de cima pelos poderes vigentes como o grande filosofo oficializado, era um charlatão de cérebro estreito, insípido, nauseante, ignorante, que alcançou o pináculo da audácia por gaguejar e forjar as mais malucas e mistificantes tolices.” Na esteira de Thucydides, são os “feitos” e os ”discursos” que contam. Esqueça – Pedro – os feitos de Hegel e concentre-se nos discursos de Hegel. O hegelianismo é profundamente revolucionário, e profundamente totalitário. Pois se este foi beber a Kant, pela socapa combateu-o, foi em Aristóteles e Platão que fixou residência. Glorificou a autoridade, o estado, o poder, dotando-lhe uma essência pensante e consciente, cujo fluxo, força, cilindrava quem marchasse em sentido contrario, que, nas palavras de Isaiah Berlin, “entronizava aqueles cuja hora de dominar soou”. Como Marx, derivou, esvaziando-a, a moralidade do êxito histórico num caminho único e inflexivel – o destino – no qual o individuo a montante da abstracção era perecível. Para Hegel e Marx a corrente da historia escoa irresistivelmente da fonte para a foz, o nadador que a combater afoga-se. Escusado dizer que o fundo “rio” esconde cerca de 160 milhões de cadáveres.
Maistre
Maistre, tem de ser compreendido na reacção ao iluminismo, foi um descrente da revolução francesa, um dos muitos, não pela revolução, não só pela revolução, mas pelo conteúdo iluminista, o homem punha a ridículo os direitos humanos, a humanidade enquanto valor abstracto, a cidadania. Tudo o que ele representava pertencia um mundo já enterrado ou a caminho da sepultura. Restou-lhe transmitir-lhe as últimas exéquias, remoendo amarguradamente insultos e ofensas. O mundo de Maistre, o mundo ideal de Maistre era a Europa feudal, sonhos húmidos que incluíam carrascos e o terror absoluto da multidão ante o poder celestial do carrasco. Era isso que Maistre representava, o terror absoluto da multidão ante o carrasco, o poder, o divino. Não sonhava apenas com papas, reis e carrascos, admirava o que eles representavam na idade media: o terror. Esforçou-se para travar a marcha da historia, em vão, a historia no século XIX já o tinha ultrapassado. Era uma nova era, uma era iluminada, uma era de liberais e sobretudo de revoluções liberais. A direita conservadora moderna – embora conheça mal – parece me significativamente iluminista, se quer uma reacção actual ao iluminismo encontra entre a esquerda pós-moderna sobretudo nos herdeiros de Foucault, Deleuze, etc. Trinta anos volvidos, parte da esquerda sofreu um revés rasteiro – Marx deve estar às voltas na tumba, contorcendo-se com ataques de histeria – a esquerda acolheu uma corrente profundamente reaccionária, lançou o universalismo e o racionalismo às urtigas, e a meu ver parece em continuidade com o nacionalismo germânico de Hegel, Fichte, Schelling. Tem muito da linguagem mística e bizarra envolta em passagens enigmáticas do nacionalismo alemão. E como ignorar a desonestidade das duas escolas. Ou a busca a todo o custo pela fama. Retomando Maistre. Maistre não é só um fervoroso católico e um monarquista – um fervoroso apoiante da monarquia absoluta – nada disso, o que ele via no catolicismo e na idade media era as visões obscuras de Platão e Aristóteles. A tirania e o terror. Não confundir com o cristianismo, pois havia dois tipos de cristianismo, o primitivo, que era profundamente igualitarista, e o cristianismo da idade media profundamente totalitário. Não há hoje em dia bloco ideológico com semelhanças com o que Maistre representava, o gajo era único e é único.