sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Nuno Castro

No campo da teoria politica a liberdade absoluta não existe e nenhuma utopia a busca. O que existe são vários graus de liberdade incomensuráveis que não cabem numa mesma escala de grandeza. Vivemos sob ferros desde que nascemos até ao leito da morte. A família, a religião, a tribo, todas elas porfiam na execução impiedosa das nossas liberdades. Viver em sociedade implica a perda lamentável de liberdade. É uma pena. Quanto a isso não há nada que possamos fazer. Isaiah sabia-o

O que aqui interessa é o poder que deve ser concedido ao estado. O problema central da teoria do estado é o problema da moderação do poder politico – da arbitrariedade e do abuso de poder, da liberdade que concedemos ao estado e a que subtraímos ao individuo – jamais ignorando que toda a politica consiste na escolha do mal menor. O paraíso não existe e quem o procura arrisca-se a encontrar o inferno. Liberdade não é equidade, justiça, ou felicidade. Mas, citando Berlin, “restringir a liberdade não é fornece-la, e a coacção, não importa quão bem justificada seja, é compulsão e não liberdade”. O liberalismo moderno tem inúmeras faces e todas elas buscam uma ordem fundada na liberdade individual e na alternância de propostas concorrentes no exercício do poder apenas limitado pelo império da lei. A teoria liberal do governo representativo aponta-o como um dos instrumentos para limitar o poder, e não como fonte de um poder absoluto. O liberalismo está aberto à mudança pois não é a verdade revelada. Esta pede liberdade crítica para a gradual alteração de leis e costumes, uma fiscalização que visa a correcção e reformulação de politicas públicas. É esta possibilidade de reforma gradual que a democracia liberal assegura. Um regime pragmático cuja ordem emana mais das rotinas da praça e da rua do que do quotidiano dos corredores e salas em que os burocratas habitam.

O totalitarismo em oposição vive num labirinto de dogmas, tabus, certezas. Um mundo imutável, pré-estabelecido, historicista que não resiste aos ventos da história. O cosmos totalitario não está preparado para a mudança e quando a enfrenta o castelo ideologico vem abaixo

No que respeita ao mercado, seguindo o pensamento de Popper, o que se contesta no modelo socialista nem sequer é a sua anti-economia, é a sua negação da liberdade e a sua desumanidade. Citando Popper “não estamos dispostos a trocar a nossa liberdade por um prato de lentilhas.” Acreditamos na liberdade pois acreditamos nos nossos semelhantes, e o objectivo de uma sociedade deve ser o de facultar a realização do maior numero de planos de vida individuais. A liberdade deve ser o chão do jogo económico. Pois só a liberdade do e no mercado permite a cada um buscar os seus próprios fins. De qualquer modo, factos são factos, o mercado não é apenas o mais adequado à ordem social como resulta razoavelmente bem. O mercado numa visão puramente marxista não é socialmente justo – nem isso procura – mas justiça social num estado de liberdade não é possível. E num estado totalitário como todos vimos a “justiça” só existe se considerarmos a miséria massificada justa. O mercado não é idílico, utópico ou ideológico, organiza-se espontaneamente em virtude da auto-organização dos seus elementos, não obedece a dogmas pois estes pedem a acção do homem e não a sua indolência.

O estado liberal moderno não se orienta pela visão messiânica de um mundo utópico, não procura visões idílicas nem o delírio perfeccionista, procura regular e administrar o jogo social. A transformação das regras sob a custódia do governo deve apenas reflectir a marcha da história. A religião pode ser um dos grilhões da vida humana mas responde às perplexidades da humanidade. A cristandade é mais do que as superstições de um grupo de nómadas. Escreveu a História – a nossa História – trouxe o elogio do perdão de Cristo ou o amor ante o próximo e carregou ao longo dos séculos até aos nossos dias o legado romano. Faz parte da herança cultural do ocidente.

A bíblia é a palavra de deus, a verdade revelada. Por isso imutável. Fé em deus, pelo menos o deus da cristandade, pede fé no criacionismo, no dilúvio e varias imprecisões científicas. Acredito numa ordem espontânea, acredito na atmosfera primitiva, acredito no caldo primordial, se esta não exclui o deus moral que pune os fornicadores, os homossexuais, os amantes de si mesmo - o deus cristão - exclui o deus ordenador do universo. E se deus não é o ordenador do universo, deus é uma falácia.

Há quem acredite no deus cristão, nada a opor, tenho entre a família mais próxima quem acredite, e não consigo defender uma ordem em que os impeça o exercício legítimo da fé. Negar o direito de cada um exercer fé no que quiser, de fazer o que bem entender, viver como desejar, não é apenas iliberal, é revolucionário e um passo a caminho da tirania.