terça-feira, 2 de outubro de 2007

O canibalista e o homem civilizado - Nuno Castro

A europa vive sob o terror do espectro do racismo. Imersa no medo de si propria. Na culpa pos-colonial. E no relativismo epistemologico. Este degenerou misteriosamente no relativismo moral. Convem notar, relativismo epistemologico nao é relativismo moral. Podemos compreender as particularidades culturais: a sharia, o apedrejamento até à morte, a excisao feminina, o canibalismo. Mas nao aceitamos o seu comportamento. E nao sao legitimas sob a herança do iluminismo. Mas vivemos numa sociedade à deriva, mutilada nos valores, sem padroes morais substantivos, cuja unica conviçao moral é a negaçao de padroes e a perseguiçao intelectual a quem os tem. Estes sao entao sumaria e intolerantemente acusados de irracionalismo pedestre e nao esclarecido ou nao iluminado pela filosofia sofisticada do relativismo. O relativismo no campo da ciencia social postula uma abertura a que nada abdica da natureza e dos fenomenos do jogo social humano. Há um significativo contraste entre a humildade aparente do relativismo da sua arrogancia pedante. O relativismo rejeita o absolutismo inerente ao ocidente. Enfrenta a possibilidade de uma etica racional e universal de um direito comum, com indignaçao ou desprezo, e acusa o iluminismo de provincialismo. Mas os individuos reunem-se para decidir o seu futuro comum. Reconhecem que estao juntos e que dependem um dos outros, o que os obriga a decidir como deverao ser governados, ao abrigo de uma jurisdiçao universal na busca do seu bem estar e o minimo de frustaçoes. O relativismo abre portas na melhor das hipoteses a um pluralismo de morais substantivas, e na pior das hipoteses ao caos legal. O relativismo escreve pois a historia do multiculturalismo. O relativismo declara objectivamente que civilizaçao nao é superior ao canibalismo. E o multiculturalismo defende que o homem civilizado e o canibalista podem coexistir na mesma sociedade. Que o homem civilizado conduza a sua vida e que ainda acabe no tacho do canibalista é essa a essencia do particuralismo cultural do canibalismo. Nao o devemos criticar, a sociedade deve contemplar a complexidade de factores socio-culturais da comunidade canibalista e o estado deve a proteger da grelha legal do homem civilizado. A obsessao pelo particularismo identitario e comunitario origina um desprezo pelos principios constitucionais e pelo corpo de leis que apenas reconhece individuos. Os multiculturalistas exigem que a lei deve reconhecer direitos para culturas e comunidades. Entre elas a dos canibalistas. Se no forno do canibalistas está o peito de um cidadao é um direito que deve ser consagrado pela personalidade juridica que especifica a comunidade canibalista. O multiculturalista, tal como a nemesis do nacionalismo, Fichte, garante que o individuo está inextricavelmente preso a uma cultura que é definida por criterios exteriores à sua vontade e intelecto. A autonomia nao existe, é uma escolha efectuada por algo sobre-individual. A comunidade. O individuo nao existe, apenas o grupo é real, a sua vontade é a da vontade geral. A vontade do grupo. Da comunidade que pensa por si. O multiculturalista vê no canibal uma passividade biologica, e a impossibilidade de transcendencia do limite cultural. A contextualizaçao comunitaria serve de legitimiçao moral ao seu comportamento. O canibalismo é trangeracional e as constituiçoes que sustentam os rechtstaat europeus nao sao necessariamente partilhados pela comunidade canibalista que usufruem da sua protecçao. Uma infamia que pede novas regras e novas leis. Se o Nuno Castro acabar no estomago do canibalista nao há espaço para horror e consternaçao. Devemos aceitar o canibalista e uma moral substantiva. Devemos aceitar uma pluralidade de ethos. Cada Volk a sua Ethos. E como os velhos romanticos, aceitar a ideia da tradiçao, cultura, e comunidade como fim inquestionavel do homem. O iluminismo é credor de um substrato universal - o direito natural. Os multiculturalistas de hoje, como os nacionalistas de ontem, negam-o. São anti-universalistas, anti-iluministas. E vendem o direito de indole comunitarista como expressao maxima de progressismo. Cavalgam os ideais do romantismo o que faz do multiculturalismo uma forma elegante de nacionalismo.