segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Maddie

Uma nação vive em perpétuo reboliço, a exibição das suas praças e ruas, a ostentação dos hábitos e costumes da turba, a exposição das normas e preceitos nacionais, a apresentação da miséria e desgraças pátrias, recruta a estranja para momentos de reflexão e a exíguas avaliações. Somos infelizmente um país lamentavelmente mal frequentado e pior administrado. Este país alimentou lá fora e arrecadou cá dentro a sombria fotografia durante décadas de um país imaculadamente atrasado e irremediavelmente amassado por séculos de franco isolamento e desapego pela História.

De pouco tem valido o convívio com as nações civilizadas. Assim que Maddie McCann desapareceu misteriosamente para o mundo, Portugal reapareceu escandalosamente nas primeiras páginas do mundo. E o reaparecimento sazonal da espelunca é sempre um escândalo e um amargo de boca para os nativos. De nada vale argumentar com Vasco da Gama ou Fernão Magalhães, ou discutir a poesia de Fernando Pessoa ou a prosa de Eça de Queiroz ou aludir a mordacidade de Saramago e o progressismo de Mário Soares. O cosmos germânico pede mais: Organização, eficiência, profissionalismo. Desafortunadamente a rude nação desdenha com fervor as três qualidades e faz da incúria o corpo do nosso ambiente institucional. Este caso só veio reforçar o estigma. Legitimar o insulto. Reanimar a anedota. Para o caso vencer a habitual lentidão tivemos de recorrer a cães e laboratórios britânicos. E não tivemos de importar detectives e know-how? Muitos acabaram a questionar a validade da figura “arguido” e mais se perguntaram porque um anátema flagrante à sociedade democrática como o segredo de justiça permanece mudamente enquadrado no sistema jurídico português. Se o país é imbecil mais é a justiça. Ficamos cada vez mais convencidos que ténue é a fronteira entre vítima e arguido. Que um dia com o pesar do universo somos vitima e no dia seguinte com o asco do cosmos somos arguido. Tão rapidamente se excita a antipatia como se incendeia a amizade da plebe. A tragédia lembra-nos – e a imprensa britânica fez questão de não esquecermos – o caso de Leonor Cipriano em que o empirismo e a ciência não estão entre fronteiras, e que os métodos que buscam os factos passam a imagem de uma “justiça” forjada no calor da inquisição. Como negar que a sentença que sai dos tribunais ainda não escapa a uma lógica fundada na auto-incriminação via confissão que usualmente termina com os confessados não numa cela da prisão mas no conforto do hospital. Como negar que a decisão dos tribunais não está em continuidade com a praça pública e que a primeira se converte invariavelmente num ruidoso eco da última. As dúvidas são legítimas e deviam de comparecer entre a buliçosa retórica de quem procura emendar o sistema.

Recuar séculos e imaginar mapas cor de rosa não serve de modo algum o interesse nacional. O julgamento não tem como origem a imprensa britânica. É a civilização que nos julga. E o erro não deve ser motivo de vaidade e de lúgubres polémicas sobre tablóides e insanáveis suspeitas sobre o nosso velho aliado. Soluções? Fugir do mundo? Amargurar estoicamente em silêncio? Fingir que não é nada connosco? Não. Devemos estudar a lição, beber o caldo cultural dos vencedores e rejeitar a dos vencidos e disciplinar a nação – sem barulho, e o orgulho pátrio não é para aqui chamado – caso contrario casos como de Maddie vão se inexoravelmente repetir e continuaremos periodicamente a ser alvo de infame chacota. Pelo o que somos e pelo o que não conseguirmos ser: europeus. E nesse caso o orgulho pátrio já é para aqui chamado. Infelizmente.