terça-feira, 2 de setembro de 2008

Direito Internacional

A ordem universal que anima o direito internacional enferma de defeito fatal. Estados não são indivíduos e indivíduos formam estados quando tem um quotidiano em comum. O edifício colossal das leis forma se onde há previamente firme solo contratual e uma relação de pertença que o proponha. Nada mais natural que as primeiras comunidades tivessem por base a consanguinidade. Redundância sem duvida, mas a sociedade implica a primeira pessoa do plural. Sem a experiência de pertença, o “nós”, o suporte do contrato desaparece e o direito sucumbe. Impera a diplomacia. Numa sociedade o direito pode conter e regular o magma individual. Aceita-se lhe com relutância o propósito dengoso e discricionário de manter a ordem social. É o preço da liberdade.

Se ao microcosmos comunitário é lhe natural o contrato social – o suporte do direito – entre nações é fantasia obscena. Que supra-estado pode mastigar oniricamente espanhóis e sudaneses sem os vícios da tirania? Que direito pode conter os povos e as ideias que lhes animam as vísceras burocráticas? Se duas nações quiserem implodir mutuamente não há direito que o impeça. O estado e o indivíduo que o organiza são radicalmente distintos. Acima do individuo o estado, acima do estado a cortesia dos canhões. Aos indivíduos une-os primariamente a ânsia da sobrevivência, aos estados desde logo a ânsia do poder. A nação é auto-suficiente, o indivíduo não. Ao indivíduo, órfão de humanidade, entregue ao estado natural, sem criatura alguma que lhe dê a conhecer o som da voz humana, a vida é negra, brutal e curta. Uma rápida descida às trevas. Já no vazio o estado prospera, sem isto a historia não teria começado.

Estados fundem-se e mesclam? Sim, quando a sua hora de se reunir faz se ouvir. Sob os ferros da história ou em grémios mais ou menos secretos, expressão de uma ideia subterrânea, que, entre chás e bolinhos, emerge para fazer em pó velhos – velhíssimos – estados que já não acertam o passo em palco e que no fundo vêem sabiamente no novo aglomerado pátrio a juventude que os demónios da história usurparam e que os deuses da diplomacia anunciam. Crer que o relógio cronológico do “velho” estado-nação pára entre as quatro paredes da onu é um erro. O resto são tratados.

“Treaties, you see, are like roses and young girls: They last while they last.”

Original

II