segunda-feira, 7 de abril de 2008
A vida é um palco de velhacarias e misérias, aos 15 suspeitamos, aos 25 sabemos de mão certa. Não se joga em escolhas epicamente livres, herança infantil do século XX, lobriga-se ecossistema onde os organismos se canibalizam entusiasticamente, assegura-se tirania sem remissão. Se há lição a retirar do voo de Ícaro é essa, a vil condição de ácaros, incorrigíveis escravos de incorrigíveis carências. Lançado a nave do navio ao gigantesco oceano levá-lo a bom porto, não está apenas nas nossas mãos, melhor, não está nas nossas mãos, repousa, tremulo, vacilante, volátil sob os cascos dos deuses pagãos. Uma regressão infinita que liga o futuro ao passado. A fenda ilude-nos a continuar. A vida é naufrágio a prazo, ou vários. Estamos todos em transito. Sentido único, como no mar, o vento sopra de este para oeste, que importa navegar em direcção contrária? E assim vamos, entre tribulações até a derradeira tribulação. De que serve acreditar que a perspectiva do abismo é pessoal? De que ao abismo e aos vales encrespados lhe antecedem os planaltos? Não conhecem os planaltos a fúria dos elementos. Pior do que viver debaixo dos deuses pagãos, que se estimam perpétuos e merecedores do Olimpo, viver sob deuses menores que orçam na casa dos 20 e com o espírito dos mastins. Não é o espírito do tempo, é o espírito de todos os tempos. Todos contra todos, e a mais das vezes, todos contra um, para refazer a fraseologia hobbesiana. Se nas sociedades pré-modernas o berço continha toda a narrativa, injusto oh céus, hoje o berço é o prelúdio de todas as injustiças. E se tudo começa no berço tudo acaba no abate, a morte sabendo se único remédio pisa com os mesmos pés os bem e mal amados.